Autor: Gabriel Zaroni
10 de março de 2024
I. INTRODUÇÃO
A representação política tem sido um tema de extrema importância ao longo da história, especialmente no século XX, marcado pela emergência dos Estados modernos, regimes tirânicos e a influência crescente do positivismo nas ciências jurídicas e políticas. Nesse contexto, surgiram inúmeros questionamentos que obscureceram ainda mais o entendimento desse conceito crucial, frequentemente envolto em ideologias antagônicas à natureza humana.
Diante desse cenário, urge uma revisita aos fundamentos clássicos da Teoria Geral do Estado e do Direito Natural, destacando-se o pensamento dos Patrianovistas como uma resposta às difamações frequentes direcionadas ao regime da Monarquia Orgânica.
II. CONCEITO DE REPRESENTAÇÃO POLÍTICA
No processo de formação de um Estado, a representação política surge como sendo o fio condutor fundamental que faz a ligação entre Estado e Povo dentro de um regime político. por trás dessa aparente simplicidade reside um intricado arranjo de desafios e questionamentos.
Primeiramente, cumpre-nos entender alguns elementos formadores de um Estado, são eles: A Sociedade, o Poder e a Representação.[1]
A Sociedade: Meio em que se forma o Estado, uma união moral e estável de homens que buscam um fim comum sob a direção de uma autoridade.[2]
O Poder: O poder é o elemento coordenador da sociedade, o princípio que une os diversos órgãos através dos quais o Estado exerce suas atividades, funcionando como o centro propulsor da ação estatal. Poder-se-ia discorrer por páginas e páginas a respeito da definição de Poder, porém, para não correr o risco de divagar do tema deste artigo, a definição dada, embora sucinta, captura o essencial da ideia de poder.
E finalmente, a Representação: É o elo entre a sociedade e o poder, alinhando as ações dos governantes com as aspirações dos governados, ao mesmo tempo em que transmite às esferas de governo os interesses dos diversos grupos que compõem a sociedade política e as demandas de seus membros.
Com essas definições em mente, muitos teóricos se esforçaram para entender e dar bases para que essa Representação se desse da forma mais ideal possível, para que a sociedade se visse realmente representada diante do poder. Faz-se necessária, portanto, uma análise detalhada dos erros e acertos de certos doutrinadores a respeito do tema.
III. ERROS MODERNOS
A preocupação em conferir um caráter público à representação da sociedade perante o poder e em tornar os representantes ou deputados genuínos representantes do povo em vez de meros comunicadores de suas vontades, levou muitos juristas a interpretarem o sistema representativo de forma a descartar totalmente a qualificação do eleitor com base em sua posição na estrutura social. Em vez disso, eles o enxergavam simplesmente como o "indivíduo" da teoria do Estado dominante na Revolução francesa.[3]
Ou seja, o indivíduo não mais pertencente a sua família, a seu trabalho, a seu grupo social, o homem não mais arraigado a suas tradições, a sua experiência e sua realidade histórica, mas simplesmente o indivíduo solto, desembaraçado de qualquer vínculo social que não seja o da sua participação imediata, pelo contrato social, na sociedade política. Ainda que se reconhecesse na família a primeira das comunidades, ela deixava de ter qualquer representação na vida pública, pois o homem só existe enquanto indivíduo sujeito ao contrato social assinado junto ao Estado.
Esse pensamento individualista e contratualista eliminou todos os corpos intermediários representativos existentes na sociedade, organicamente constituídos após anos de experiência histórica. Os homens agora estão unidos somente por um contrato social abstrato e simbólico, sem valor algum. Sendo essa uma relação completamente vertical, onde o Estado age como um unificador artificial da população.
Estabeleceu-se assim na sociedade moderna, uma distinção na qual os Patrianovistas denunciaram durante toda sua história, a diferença entre representação da sociedade perante o poder e a representação da sociedade pelo poder. A sociedade representada mediante instituições, da qual destaca-se (mas não limita-se) as corporações de ofício medievais, cumpriam o papel primordial de levar as demandas da população as autoridades públicas e fazê-las valer, agindo verdadeiramente como corpus politicum da sociedade.
No entanto, em um Estado onde a população não é mais representada, mas é dona do poder, detentora da soberania, a massa amorfa de cidadãos, cada um dos quais se torna, no momento da eleição uma vox populi absoluta, terminaria por esvaziar o próprio conceito de representação, confunde-se com a ideia de autoridade, caindo no univocismo conceitual. A consequência direta deste modelo é a anarquia absoluta, pois ela é a própria negação da autoridade e do próprio conceito de Estado.
IV. FUNÇÃO DO ESTADO NA ORDEM JURÍDICA
O poder político, emanado pelos grandes chefes que guiam a nação, confirma um direito já presente na sociedade. Isso implica que a ordem jurídica não surge ex nihilo do poder do Estado, mas encontra suas raízes mais profundas nos grupos que compõem uma comunidade. A missão do Estado não é criar ordem ou leis, mas ratificar direitos já presentes na sociedade, apenas positivar as leis que já fazem parte do escopo do Direito Natural dos homens.
Por esse motivo, aos homens que vivem em sociedade, cabe reconhecer e distinguir a participação perante o poder, representado pelas instituições, na qual possuem a capacidade de iniciativa para fazer os interesses dos cidadãos serem conhecidos e respeitados, ao mesmo tempo que reconhece na autoridade estatal o dever de coordenar-lhes a ação em vista do bem de toda a coletividade.
Entretanto, o Estado exorbita sua função quando toma posse das leis, se corrompe e se “autodeifica”, passando a agir como criador da ordem jurídica. Quando essa situação ocorre, tem-se o que é conhecido como “totalitarismo”.
Uma vez que não é criação do Estado, o Governante deve se submeter ao critério objetivo de justiça dado pelo Direito Natural, da qual depende o direito positivo, cujas normas não são disposições provindas exclusivamente da vontade do Príncipe, mas baseadas em princípios eternos e imutáveis, revelado a nós por Cristo, por intermédio do magistério da Igreja.
A ideia de que o Estado não cria o Direito, mas apenas o reconhece, positivando e sancionando normas baseadas em uma ordem já preexistente na sociedade é a base para entender o que é o verdadeiro “Estado de Direito”.
No entanto, sem a concepção de Direito Natural dado a nós pela Santa Igreja, o legalismo, o maquiavelismo e o positivismo jurídico tomam conta da discussão, pois os juristas não encontram outra alternativa a não ser reduzir o direito à lei, sendo a lei apenas a expressão da vontade do legislador ou do Príncipe.
V. SUFRÁGIO UNIVERSAL
Ideia tão condenada pelos Patrianovistas foi o “Sufrágio universal”, representação máxima do fim das instituições representativas, pois neste sistema o povo não representa o soberano (consequentemente, não se submete a ele), mas É o soberano.
Hans Kelsen identifica essa característica da democracia e, apesar de não o fazer em formato de crítica, suas palavras servem ao propósito:
“Democracia significa identidade de governantes e governados, do sujeito e do objeto do poder, governo do povo pelo povo.”[4]
Já alertavam os Patrianovistas sobre essa identidade absoluta entre povo e Estado, que leva, inevitavelmente, a negação do poder e a indiferença entre governantes e governados. Com a exclusão da autoridade, absorvida no povo, o resultado não pode ser outro além do total aniquilamento do Estado, ou seja, a anarquia.
VI. DA MONARQUIA
A Monarquia, ou “governo justo de um só”, segundo São Tomás de Aquino, é absolutamente a melhor forma de governo, ainda que decaída, complementando que o governo de um só se corrompe menos facilmente em tirania do que o governo de muitos.[5]
No entanto, é necessário entender que a monarquia ideal defendida pelo Doutor Angélico não é a conhecida como “Monarquia Absolutista”, dada pelos teóricos modernos, mas o ideal de regimen mixto, um governo que combina a autoridade e força condutiva do monarca, a sabedoria e representação da aristocracia e a participação popular da democracia.
José Pedro Galvão de Souza tece comentários a respeito do regime misto de São Tomás e esclarece a função de cada membro da sociedade:
“A monarquia significa unidade e continuidade. A aristocracia põe em destaque a ideia da seleção dos mais capazes para governar. A democracia abre ao povo as possibilidades para a participação no governo.”[6]
O erro moderno está em entregar a direção dos negócios públicos (função exclusiva do monarca e da aristocracia) a massa amorfa de cidadãos, que claramente não possuem o discernimento para tal. Consequentemente, não há espaço para a representação política em um regime onde a massa governa.
É necessário que a autoridade para conduzir a nação seja entregue somente a um pequeno número de homens esclarecidos, experimentados e preparados por uma educação e prática especial, e que não deixem por isto de ser responsáveis ante a Nação e seu povo.
UNIDADE, SELEÇÃO E PARTICIPAÇÃO POPULAR, são essas as qualidades do bom governo, imprescindíveis para que um regime seja verdadeiramente representativo e respeite o Estado de Direito.
VII. CRISES ATUAIS
Baseado nos três princípios de todo bom governo, é nítido perceber as consequências da falta deles na sociedade.
Quando é a unidade que falta, a atuação do poder se torna precária, resultando na interferência de elementos estranhos no poder político da Nação, a interferência de países estrangeiros, perda da soberania e da capacidade de tomar decisões são problemas típicos da falta de unidade de um país.
É o que ocorre no Brasil e em outros países onde as Forças Armadas se veem compelidas pela população a suprir as falhas do governo, quando este compromete a continuidade nacional. Nestes casos, o exército deixa de ser o “guardião mudo” do país e passa a ter atuações cada vez mais políticas.
Quando é a seleção que falta, vemos com frequência crises no poder legislativo, que passa a sofrer pressão por parte da população, que demanda a representação, mas não o tem pela incompetência dos selecionados. Neste sentido, é comum que os órgãos institucionais do Estado passem a sofrer a concorrência de entidades mais representativas e em condições de fornecerem homens mais aptos a dirigir a nação.
É o que ocorre hoje no Brasil, onde a crise no poder legislativo suscita outros problemas, tais como a interferência dos poderes, onde o Poder Judiciário se vê obrigado a interferir na competência legislativa para suprir a falta de representatividade. Ocorre daí, reformas constitucionais amenizando a separação de poderes e permitindo aos juízes do Supremo Tribunal Federal participar da elaboração de leis, tarefa que obviamente não lhes pertence, sendo exclusiva dos parlamentos. Problema que só ocorre porque os (mal) selecionados são incapazes de compreender e analisar as complexas questões que são submetidas à sua apreciação. Eles também são incapazes de negociar e construir consensos, o que é essencial para o processo legislativo.
VIII. CONCLUSÃO
Diante do exposto, é evidente que a representação política não é apenas uma questão de mecanismos institucionais, mas sim um reflexo dos valores, princípios e estruturas sociais de uma comunidade. Ao longo da história, os Patrianovistas são incansáveis defensores da importância de uma representação verdadeiramente orgânica, que reconheça os corpos intermediários da sociedade, tal como as corporações de ofício ou as famílias, a título de exemplo.
A visão de um Estado fundado nos princípios do Direito Natural, da unidade, da seleção e da participação popular, como proposto pelos teóricos clássicos, oferece uma solução realista para os desafios da modernidade. As crises atuais, marcadas pela falta desses princípios, evidenciam a urgência de uma revisão profunda na forma como enxergamos o falido modelo republicano e da forma como entendemos a representação política. É necessário, portanto, retomar o diálogo com as tradições jurídicas e católicas que fundamentaram toda a civilização ocidental.
[1] J.P. GALVÃO DE SOUSA, Política e Teoria do Estado, P. 119, Editora CDB (Obras Seletas I).
[2] J.P. GALVÃO DE SOUSA, Dicionário de Política, P. 497, T.A Queiroz Editor.
[3] J.P. GALVÃO DE SOUSA, Da representação política, P. 43, Editora CDB (Obras Seletas II)
[4] H. KELSEN, esencia y Valor de la Democracia, p. 30.
[5] AQUINO, Santo Tomás de. Do Governo dos Príncipes ao Rei de Cipro e do Governo dos Judeus à Duquesa de Brabante. 2ª ed. Trad. de Arlindo Veiga dos Santos. Capítulos IV, V e VI.
[6] Idem cit. 3, p. 50.