Autor: Gabriel Zaroni
05 de julho de 2024
I. INTRODUÇÃO
Historicamente, como evidenciado pelo Direito romano, o direito positivo sempre foi focado nos conflitos de direito individual. No século XIX, essa ênfase no direito individual foi intensificada pela Revolução Francesa. Após a Segunda Guerra Mundial, com a crise do pensamento liberal, percebeu-se que as grandes questões passaram a ser abordadas conforme as necessidades da coletividade, abrangendo tanto o contexto corporativo quanto o coletivo, e não apenas de forma individualizada. A solução dos problemas sociais não poderia mais ser concebida considerando apenas a dicotomia público/privado.
Um desses problemas que transcende a dicotomia público/privado é o meio ambiente. Ao abordarmos o meio ambiente, estamos nos referindo à nossa comunidade e ao que possibilita a existência da vida na Terra. É crucial destacar que o conceito de meio ambiente vai muito além do senso comum de fauna, flora, biosfera e recursos minerais. Inclui também o meio ambiente cultural e urbanístico (ou artificial), e podemos ainda adicionar um conceito moderno de meio ambiente trabalhista. Todas essas dimensões são essenciais para uma abordagem abrangente e integrada das questões ambientais.
Neste artigo vamos esmiuçar alguns modelos liberais de Direito Ambiental, bem como esclarecer como um católico deve se portar perante essa complexa questão.
II. LIMPANDO A MESA
Antes de mais nada, é necessário esclarecer que o ambientalismo que aqui será defendido não será um ambientalismo alarmista, de cunho anticatólico, malthusiano, que considera o ser humano como um malefício para o planeta, como um vírus a ser eliminado.
Essa visão psicótica de ambientalismo (apesar de muito popular, pois o alarmismo rende muitos votos para políticos eleitoreiros) é ultrapassada e já foi rechaçada em diversas obras. Como não é este o foco do artigo, deixarei apenas a recomendação da obra “Psicose Ambientalista” de S.A.I.R Dom Bertrand, que trata das medidas eleitoreiras e do ambientalismo alarmista dos dias de hoje.
Não é isso que farei, tentarei neste breve ensaio fornecer uma visão nacionalista do Direito Ambiental e como podemos fazer para conciliar as demandas ambientais com o sadio desenvolvimento da nação brasileira.
III. POR UMA VISÃO ANTROPOCÊNTRICA DO MEIO AMBIENTE
A visão católica, fundamentada na Bíblia, apresenta a criação do homem como um ser intrinsecamente superior à natureza, sendo esta confiada ao seu domínio para promover o desenvolvimento humano integral. No entanto, o homem exerce esse domínio em nome de Deus, atuando como guardião da criação divina, o que significa que seu domínio não é absoluto. Deus confiou o mundo à humanidade para que o gerisse de maneira responsável, assegurando a prosperidade integral e sustentável. Assim, as escolhas e ações relacionadas à ecologia (ou seja, o uso do mundo criado por Deus) estão sujeitas à lei moral, tal como todas as outras escolhas humanas.
É crucial compreender que a relação do homem com o mundo é um elemento constitutivo da identidade humana. Essa relação nasce da união ainda mais profunda do homem com Deus (cf. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, n. 452). Ao criar o homem, Deus lhe deu a responsabilidade de cuidar da natureza e a tarefa de contribuir, através do seu trabalho, para levar a criação à sua plenitude (cf. Gn 1, 26-29).
A antropologia cristã nos ajuda a entender a origem da degradação ecológica: como resultado do pecado original, a relação do homem com a natureza foi danificada, pois a experiência mostra que o progresso técnico pode ter consequências negativas para o meio ambiente. Por essa razão, a Igreja vê na crise ecológica não apenas um desafio técnico-científico, mas também um problema moral: o homem está esquecendo o respeito devido à criação e ao Criador. Os cristãos são chamados a trabalhar pelo Reino dos Céus a partir das realidades temporais, cientes de que quanto maior é o nosso poder, maior é a nossa responsabilidade individual e coletiva (cf. Gaudium et Spes, n. 34).
Vejamos o que diz o Catecismo da Igreja:
339. Cada criatura possui a sua bondade e perfeição próprias. Acerca de cada uma das obras dos «seis dias» está escrito: «E Deus viu que era bom». «Foi em virtude da própria criação que todas as coisas foram estabelecidas segundo a sua consistência, a sua verdade, a sua excelência própria, com o seu ordenamento e leis específicas» (206). As diferentes criaturas, queridas pelo seu próprio ser, refletem, cada qual a seu modo, uma centelha da sabedoria e da bondade infinitas de Deus. É por isso que o homem deve respeitar a bondade própria de cada criatura, para evitar o uso desordenado das coisas, que despreza o Criador e traz consigo consequências nefastas para os homens e para o seu meio ambiente.
Ao mesmo tempo, a Igreja é expressa ao declarar que apesar de sermos todos partes da criação Divina, há uma hierarquia entre a criação:
342. A hierarquia das criaturas é expressa pela ordem dos “seis dias”, indo do menos perfeito para o mais perfeito. Deus ama todas as suas criaturas (207) e cuida de cada uma, até dos passarinhos. No entanto, Jesus diz: “[Vós] valeis mais do que muitos passarinhos” (Lc 12, 7), e ainda: “Um homem vale muito mais que uma ovelha” (Mt 12, 12).
343. O homem é o ponto culminante da obra da criação. A narrativa inspirada exprime essa realidade, fazendo nítida distinção entre a criação do homem e a das outras criaturas (208).
Importa destacar que o homem deve utilizar-se do meio ambiente para atingir sua finalidade última: servir a Deus. Portanto, não se propõe aqui uma visão humanista de meio ambiente, onde o ser humano é o objetivo final da existência do planeta, mas sim, um instrumento que nos foi dado para honrar e louvar o nome de Cristo (destacando ainda mais a importância do tema).
A partir do crescimento no iluminismo na Europa, chegando em seu ápice na Revolução Francesa, perdeu-se a ideia do homem como centro da criação divina, o meio ambiente passou a ter um valor por si próprio, pois o homem não é mais superior hierarquicamente, está no mesmo nível dos porcos, galinhas, plantas, etc. Deste pensamento que os movimentos antinatalistas e antiespecistas (contra a hierarquia de espécies) ganharam força na modernidade.
É preciso antes de tudo, dar alguns passos pra trás e voltar a entender o homem como centro da criação, o meio ambiente como subordinado ao ser humano.
Dessa forma, a vida que não seja humana só deverá ser tutelada pelo direito ambiental na medida em que sua existência implique garantia da sadia qualidade de vida do homem, uma vez que numa sociedade organizada este é destinatário de toda e qualquer norma jurídica.
Vale ressaltar nesse sentido o Princípio n. 1 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992:
“Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza”.
Portanto, o direito ambiental deve retornar a ter uma necessária visão antropocêntrica, porquanto o único animal racional é o homem, cabendo a este a preservação das espécies, incluindo a sua própria. Deixando de lado as sandices pós-modernas como “antiespecismo”.
De tempos em tempos surgem discussões na política nacional a respeito da crueldade animal em manifestações culturais, as vaquejadas, por exemplo, foi uma dessas manifestações que foram objeto de propostas legislativas para proibição da prática, sob o argumento da crueldade animal.
Quando entram em choque o direito do animal de não ser submetido a práticas cruéis e o de manifestação da cultura do povo, parece-nos que a única opção a prevalecer é a atividade cultural, porquanto é a identidade de um povo, representando a personificação da sua dignidade como parte integrante daquela região.
No entanto, quando dizemos “direito de não ser submetido a práticas cruéis” em última análise, retrata a presença dessa visão antropocêntrica que queremos resgatar, porquanto não se submete o animal à crueldade em razão de ele ser titular do direito, mas sim porque essa vedação busca proporcionar ao homem uma vida com mais qualidade.
IV. A PROBLEMÁTICA DA PROTEÇÃO AMBIENTAL SOB UMA ÓTICA LIBERAL/"LIBERTÁRIA"
Com o advento da modernidade, o pensamento liberal ganha força novamente, dessa vez com uma nova roupagem, mas ainda igual em essência, chamada de “Libertarianismo” mas as ideias permanecem essencialmente as mesmas: uma visão contratualista de Estado, o Estado como “leviatã” ou como mal necessário, individualismo levado às últimas consequências argumentando que a liberdade individual deve ser quase absoluta. A coerção do Estado é vista com grande ceticismo e é considerada legítima apenas em casos extremamente limitados.
Os liberais clássicos construíram uma teoria de Estado onde este somente seria um garantidor da ordem jurídica e dos direitos de vida, propriedade e liberdade, em nada mais interferindo.
Muitos autores criticam o liberalismo por vê-lo como oferecendo uma visão insatisfatória da relação existente entre indivíduo e comunidade, onde esta última não passaria de um processo de cooperação existente entre indivíduos na busca de uma satisfação de seus interesses pessoais. Se a ideia de bem comum tende a pressupor uma comunidade, os cidadãos encontrar-se-iam, então, destituídos da capacidade de promovê-lo uma vez que a ausência de vínculos comunitários os levariam a considerar apenas seu bem-estar individual. Esse viés individualista existente no liberalismo tem sido considerado como um dos principais entraves na possibilidade de se promover a sustentabilidade ambiental. Como escreve Cahn:
"A ênfase do liberalismo no interesse individual cria um conceito problemático de bem comum. A sociedade, como manifesta na teoria liberal do contrato, não existe para promover um bem maior, mas para proteger os direitos individuais. O bem comum é limitado a oferecer um ambiente estável para os direitos individuais. Em consequência, direitos individuais e corporativos de propriedade, ofuscam a reivindicação de comunidades para a gestão de recursos" (1995: 01).
Os libertários mais radicais defendem ainda uma privatização dos bens ambientais e de recursos hídricos sob o argumento de que os bens ambientais, quando não pertencentes a iniciativa privada leva a “tragédia dos comuns” onde um bem, ao ser de todos, não seria de ninguém, o que não incentivaria os indivíduos a cuidar propriamente do meio ambiente.
No entanto, nada impede um bem de pertencer a coletividade e mesmo assim, o Estado instituir responsabilização individual pelo deterioramento desse bem, exatamente como ocorre hoje.
Na verdade, a maior parte da população não considera a defesa do meio ambiente e um desenvolvimento sustentável como uma prioridade imediata (o que é perfeitamente correto e compreensível em última análise). Um estudo do Pew Research Center, publicado em 2015, mostrou que a grande maioria das pessoas priorizam demandas como alimentação, segurança, saúde e educação, para, só depois, se preocupar com meio ambiente. Diante deste fato, não há como defender uma privatização dos bens ambientais sob uma justificativa de que a iniciativa privada teria mais responsabilidade em um uso ecologicamente responsável do bem.
Na obra “O ambientalista libertário” na qual tive o desprazer de ler para entender o que os libertários entendem por proteção ao meio ambiente, no capítulo III “Ambientalismo e Livre-Mercado” o autor Marco Batalha nos diz:
“É que, em um livre-mercado, a quantidade de natureza a ser preservada será exatamente aquela que a população como um todo considerar necessária. Talvez eu e você consideremos essa quantidade pequena; talvez aqueles justiceiros ambientais se decepcionem. Paciência, a vida é assim.” (BATALHA, 2020)
Se a última preocupação da população é o desenvolvimento sustentável e proteção ao meio ambiente, qual será a consequência de uma filosofia individualista no âmbito da proteção ao meio ambiente?
V. CONFLITOS COM O DIREITO DE PROPRIEDADE
Seguindo a lógica individualista e mercadológica cultuada pelos liberais, se o meio ambiente a ser protegido limitar-se-á apenas aquilo que for de demanda dos indivíduos, fica óbvio pensar que se poluir uma área for mais vantajosa economicamente que preservá-la, assim os indivíduos o farão. Tal como ocorre na África, onde as grandes indústrias dos Estados Unidos e da China aproveitam-se das legislações escassas e subserviências do continente para instalar suas indústrias mais poluentes e extrativistas, afinal, a produção desenfreada é muito mais vantajosa economicamente falando do que a preservação da fauna e a flora de um continente que não é deles.
O mesmo ocorre com a floresta amazônica, onde o governo brasileiro faz conluios e lobbies com grandes mineradoras estrangeiras para vender nosso território em troca de capital político e dinheiro. Eis aí mais uma mazela da república falida que vigora nos tempos atuais!
Por isso, é necessário que o ordenamento jurídico pátrio proteja sua soberania e os recursos naturais do país contra a exploração e os interesses individualistas. Neste sentido foi editado o Código Florestal que estabeleceu rigorosas limitações ao uso irrestrito da propriedade privada.
o Código de 2012 modifica e conceitua o que chamamos de “área de proteção ambiental” como aquela, coberta ou não por vegetação nativa, com função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico da fauna e flora e proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Ainda, determina que a vegetação situada em áreas de preservação permanente deverá ser mantida pelo proprietário, possuidor ou ocupante a qualquer título, sob pena de multa.
Estabelece ainda que Na Amazônia, onde temos um vasto patrimônio biológico e genético ainda pouco conhecido, e relativamente conservado, dever-se-á manter paisagens com pelo menos 60% de cobertura, ou de preferência com mais de 70%, para se evitar os efeitos iniciais da redução brusca do tamanho dos fragmentos.
Além disso, foi instituído o “Zoneamento Ecológico-Econômico” (ZEE), que é uma ferramenta de planejamento territorial que visa orientar o uso sustentável dos recursos naturais. Por meio do ZEE, determinadas áreas podem ser designadas para conservação, restringindo o tipo de atividades econômicas que podem ser desenvolvidas nelas.
Todas essas normas e sanções jurídicas constituem-se verdadeira limitação à liberdade individual e ao direito de propriedade, no entanto, são absolutamente necessárias, afinal, a preservação do meio ambiente é um requisito essencial para a manutenção da vida e do bem-estar da sociedade como um todo. Sem essas regulamentações, a exploração desmedida e irresponsável dos recursos naturais poderia levar a consequências catastróficas não só para a nossa geração, mas para as futuras, conforme orienta o Catecismo da Igreja:
2456. O domínio concedido pelo Criador sobre os recursos minerais, vegetais e animais do universo, não pode ser separado do respeito pelas obrigações morais, inclusivamente para com as gerações futuras.
VI. A IDEIA DE NAÇÃO FORTALECE A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE
No espectro da política ambiental atual, pensadores conservadores veem na nacionalidade um componente essencial da promoção da política ambiental. Roger Scruton, por exemplo, considera a identidade nacional (nacionalidade) um alicerce para a promoção de ações coletivas voltadas para o cuidado ambiental. Segundo ele;
"[ambientalistas] tendem a relutar diante da sugestão de que a solidariedades locais deveriam ser vistas em termos nacionais. (…) Existe uma razão muito boa para enfatizar a nacionalidade. Nações são comunidades com uma configuração política. E estão predispostas a afirmar a soberania vertendo o sentimento comum de pertença em decisões coletivas e elitistas aceitas. A nacionalidade é uma forma de vínculo territorial, mas também é um arranjo protolegislativo. Além disso, as nações são agentes coletivos na esfera global de tomada de decisão. Por ser membro de uma nação, o indivíduo tem voz nos assuntos globais” (2016: 24).
O "desenvolvimento da ideia de um sentimento territorial, o qual contém a semente da soberania dentro si", constitui-se, para Scruton, na principal contribuição dos conservadores para a política ambiental contemporânea. A nacionalidade é fundamental para promover o cuidado ambiental porque, segundo ele, ela permite "traduzir o sentimento comum de pertencimento em decisões coletivas em leis autodeterminadas" (SCRUTON, 2016: 24).
OBS: Aqui, vale a mesma ressalva feita anteriormente, é um autor abertamente neoconservador, mas não posso deixar de citá-lo em seus acertos
Hiskes (2009) considera a identidade nacional como um elemento fundamental para a promoção dos direitos ambientais. Segundo ele, nações se constituem em "comunidades morais" e só elas podem oferecer um arcabouço moral e cultural que ajude na promoção dos direitos ambientais.
Isso não ocorre apenas, ou fundamentalmente, porque os Estados-Nações se constituam no lugar onde os direitos encontram-se institucionalizados, mas pelos fatores culturais que nacional-liberais geralmente mencionam para defender o papel da cultura nacional para a promoção da cidadania. Hiskes apela ao argumento cultural presente no nacionalismo para afirmar que a promoção da justiça ambiental: "nos compele a ver nós mesmos e nossos direitos sempre dentro do contexto do grupo ao qual - e nossas gerações futuras - pertencemos. (....) Possuímos direitos humanos ambientais como membros de nossa comunidade nacional, que difere de um modo importante - seja em termos físicos, culturais ou políticos - de outras comunidades nacionais, cujos cidadãos possuem também direitos ambientais e obrigações via-à-vis suas gerações futuras também". (HISKES, 2009: 150).
A promoção dos direitos ambientais demanda, então, a presença de uma identidade nacional. A justiça ambiental, do mesmo modo, "baseada nos direitos ambientais requer o compartilhamento de uma identidade política" (HISKES, 2009:144). Esta identidade política é também ela uma identidade nacional onde cidadãos reconhecem:
"uns nos outros uma obrigação compartilhada para preservar seu ambiente como parte de um dever de manter sua própria (...) identidade de grupo. Dessa forma todos seres humanos possuem direitos ambientais como (e somente como) cidadãos de suas próprias comunidades nacionais transnacionais" (HISKES, 2009: 143-4).
o próprio meio ambiente constitui-se como uma expressão da identidade nacional onde nossos vínculos com ele são estabelecidos pela relação de proximidade existente. A identidade nacional do cidadão, como indica Hiskes é o resultado de sua relação com o "ambiente" e esse "ambiente" inclui "pessoas, estruturas sociais e a ordem natural"
Este conceito foi o que levou a elaboração da Lei n. 6.938/81 durante o regime militar. A lei, ao estabelecer a política nacional do meio ambiente, teve por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, no sentido de assegurar, naquela oportunidade, condições ao desenvolvimento socioeconômico no Brasil, assim como aos interesses da segurança nacional, conceito que verdadeiramente “fundamentava” a interpretação da Constituição em vigor.
VII. SUPERANDO O BINÔMIO PÚBLICO/PRIVADO
Foi exatamente através do enfoque aludido que em 1990 surgiu a Lei Federal n. 8.078, que, além de estabelecer uma nova concepção vinculada aos direitos das relações de consumo, criou a estrutura que fundamenta a natureza jurídica de um novo bem, que não é público nem privado: o bem difuso, na qual o meio ambiente passou a fazer parte.
Daí podermos reiterar nossa visão no sentido de que ao estabelecer a existência jurídica de um bem que se estrutura como sendo de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, configura uma nova realidade jurídica, disciplinando bem que não é público nem, muito menos, particular.
A Coletividade, portanto, é quem exerce a titularidade do bem ambiental dentro de um critério, adaptado à visão da existência de um bem que não está na disponibilidade particular de ninguém, nem de pessoa privada nem de pessoa pública. Um bem de uso comum do povo.
Esta característica do bem ambiental, a saber, ser um bem de uso comum do povo, importa apenas reafirmar que ele consiste em bem que pode ser usado por toda e qualquer pessoa, dentro dos limites fixados em lei. Não cabe, portanto, exclusivamente a uma pessoa ou grupo, tampouco se atribui a quem quer que seja sua titularidade.
VIII. A REALIDADE BRASILEIRA
Com base em tudo que foi exposto acima, é necessário enfatizar que a legislação ambiental de um país deve ser acompanhada de um projeto de nação integral, e que leve em consideração o destinatário final das leis: a população local. Quando a leis são implementadas sem levar em consideração a casuística e as culturas locais, elas podem se tornar ineficazes e prejudiciais para a população que depende diretamente dos recursos naturais para sua subsistência.
Por exemplo, uma lei federal que proíbe o corte de árvores em determinadas regiões pode impedir que populações locais utilizem esses recursos para suas necessidades básicas, como construção de habitações, produção de calor e confecção de utensílios. Estas atividades, muitas vezes, são realizadas de forma sustentável pelas comunidades, sem causar danos significativos ao meio ambiente. No entanto, a impossibilidade de legislar localmente sobre estas questões impede que soluções adaptadas às realidades específicas sejam implementadas, prejudicando a subsistência de famílias que dependem desses recursos naturais.
Enquanto as populações locais são impedidas de exercer atividades tradicionais, grandes mineradoras e megacorporações encontram maneiras de driblar a legislação. Estas empresas possuem os recursos financeiros e logísticos necessários para cumprir com as exigências legais, muitas vezes de forma superficial, através de práticas de compliance ambiental que não refletem um compromisso genuíno com a sustentabilidade. Além disso, essas corporações têm poder suficiente para influenciar a criação de leis que favoreçam seus interesses, exacerbando ainda mais a desigualdade e dificultando a concorrência justa com pequenos empreendedores locais.
Uma legislação ambiental que não é integrada ao desenvolvimento da nação tende a criar barreiras excessivas para a população local. Leis pesadas e complexas acabam empurrando trabalhadores honestos para a ilegalidade e a informalidade, como no caso de garimpeiros que, impossibilitados de cumprir com todas as regulamentações federais, são classificados como ilegais. Esta criminalização não considera as dificuldades práticas enfrentadas por esses trabalhadores para se adequarem a um sistema regulatório que favorece os interesses das grandes corporações. O lobby das mineradoras, muitas vezes, é responsável por essa situação, visando eliminar qualquer tipo de competição com populações locais.
A criação de barreiras regulatórias gigantescas impede que pequenas empresas familiares de extração de minérios ou de agricultura familiar prosperem. Diante da impossibilidade de competir de forma justa e legal, muitas dessas famílias se veem obrigadas a recorrer a atividades ilegais ou informais para sobreviver. A ausência de alternativas legítimas leva à desilusão com o governo e, frequentemente, à associação com o tráfico e as milícias, como forma de evitar a fiscalização. Assim, a população local acaba se tornando, em muitos casos, parte do crime organizado, intensificando a violência e a instabilidade social na região.
É importante destacar aqui que o problema da legislação ambiental atual não é exatamente a severidade das leis, esse ponto é perfeitamente justificável, visto que somos o país com a maior conjunto de florestas tropicais do mundo, é mais que conveniente termos barreiras regulatórias pesadas para proteger nossa biodiversidade, mas sim, na sua desconexão com as realidades e necessidades locais, leis são elaboradas sem um entendimento profundo das condições específicas de cada região
A mesma crítica foi feita pelo jurista Prof. Luiz Guilherme Marinoni em sua obra “Curso de Direito Constitucional”:
“Assim, pelo que até o momento foi exposto, é possível afirmar que o condomínio legislativo projetado pelo constituinte carece de contínua reflexão e aperfeiçoamento, mas especialmente deveria avançar para uma dinâmica menos centralista e mais amiga da expansão controlada dos poderes local, designadamente naquilo que a legislação estadual e municipal puder aperfeiçoar a proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais. De todo modo, as observações tecidas nesse item representam pálida amostra das possibilidades de uma leitura crítica do sistema constitucional de repartição de competências formatado pela CF. (Constituição Federal)” (MARINONI, 9ª edição, 1268)
IX. CONCLUSÃO
A defesa de um direito ambiental que seja ao mesmo tempo eficaz e sustentável deve levar em conta a importância da identidade nacional e da coletividade na promoção de políticas ambientais. É crucial para nós, enquanto católicos e nacionalistas, resgatarmos a centralidade do ser humano na gestão ambiental, entendendo que a preservação dos recursos naturais deve servir ao bem-estar humano sem, contudo, negligenciar a responsabilidade moral de cuidar da criação. Também nos afastando de sandices ambientalistas e promovendo os interesses nacionais na exploração sustentável dos recursos naturais do País.
X. OBSERVAÇÕES
Algumas ressalvas em relação as fontes e documentos apresentados neste artigo se fazem necessárias:
A) quanto ao documento “Gaudium et Spes” supracitado. É um documento problemático e essencialmente humanista, contrária a muitas doutrinas católicas, não é recomendado ao estudante sério que leia este documento, no entanto, não podemos deixar de admitir que há momentos em que acertam, e estes estão citados aqui no artigo.
B) Catecismo de João Paulo II. Aqui faz-se o mesmo adendo a encíclica citada acima.
REFERÊNCIAS:
CAHN, Matthew A. Environmental deceptions. The tension between liberalism and environmental policymaking in the United States. New York: State University of New York Press, 1995
SCRUTON, R. Filosofia verde. Como pensar seriamente o planeta. São Paulo: É Realizações, 2016
HISKES, Richard P. The human right to a green future. Enviromental rights and intergenerational justice. New York: Cambridge University Press, 2009.
BATALHA, M. O Ambientalista Libertário: Uma visão anarcocapitalista da conservação ambiental, 2020.
Ingo Wolfgang Sarlet; Daniel Mitidiero; Luiz Guilherme Marinoni. – 9. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.