Na antiga cidade de Elêusis, berço dos grandes mistérios da vida pagã grega e da renovação cósmica de Hellas, realizavam-se rituais e sacrifícios a Deméter e Perséfone — deusas da primavera e da agricultura, respectivamente — onde era exclusivo para iniciados da cidade e eram conhecidos por serem rituais rigorosos quanto à pureza daqueles que queriam se aproximar. Entre os impedimentos de participação estavam os homicidas, os profanos e as prostitutas, pois traziam em si o semblante de mancha e da violação da ordem natural conhecida pelos antigos pagãos.
Entretanto, o ciclo da decadência não poupou nem Elêusis. À medida que as instituições começaram a se afastar da pureza original por influência de filosofias como o ceticismo e o hedonismo, as portas do templo se abriram para aqueles cujos atos corromperam a ordem natural. As meretrizes, vistas como símbolo de transgressão e busca pelo ganho fácil, entraram em Elêusis, e com isso, o sagrado foi profanado. O culto à impureza se sobrepôs ao culto sagrado e à pureza, e, assim, o templo foi manchado.
Hoje, os templos da vida cívica da sociedade foram abertos a uma nova espécie de prostituição, desta vez do espírito e não da carne: a usura. Bancos, parlamentos e universidades se tornaram reféns de Mamom. O dinheiro, como outrora o corpo da meretriz, é oferecido a quem pagar mais, sem consideração pela justiça ou pela virtude. A lógica do lucro sem limite, da dívida perpétua, do ganho sem suor, transformou a ordem social em mercado.
Nosso Senhor, ao ensinar sobre a verdadeira riqueza, disse: “Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Mt 6,24). Ele nos adverte sobre o perigo de idolatrar o que é finito e perecível em detrimento daquilo que é eterno e perene, que são os tesouros no céu: “Não acumuleis para vós tesouros na terra, onde a ferrugem e a traça os consomem, e onde os ladrões perfuram as paredes e roubam” (Mt 6,19). O dinheiro, em sua essência, não foi criado pelo homem para ser um fim, mas um meio — um meio de facilitar a troca de bens e serviços para o bem comum. Sua finalidade última, conforme a visão cristã, é a circulação e o serviço mútuo. O dinheiro é, na verdade, um sinal de fluxo, um instrumento que possibilita a cooperação entre os homens, a ajuda aos necessitados e a circulação do que é bom e justo na sociedade.
Porém, a usura é a corrupção do que vem a ser o dinheiro: o seu acúmulo sem fim através de juros exorbitantes;é o atônito da circulação. Com a usura, há o desequilíbrio do fluxo natural, tornando-o algo fixo e estéril, sem frutos. “Onde está o teu tesouro, aí estará o teu coração” (Mt 6,21), disse Cristo, indicando que esse acúmulo desordenado não é apenas ruim para a sociedade, mas também a alma do sujeito. A usura impede a circulação do dinheiro, retendo-o na mão de poucos em um círculo viciante de ganância.
“Usura oxida o cinzel,
Ela enferruja o ofício e o artesão.
Ela corrói o fio no tear,
Ninguém aprende a tecer ouro em seu modelo.
O azul é necrosado pela usura, não se borda o carmesim.
[...]
A usura mata o filho nas entranhas.
Impede o jovem de fazer a corte,
Levou paralisia ao leito,
deita-se entre a jovem noiva e seu noivo contra naturam.”
(Canto XLV de Ezra Pound sobre a Usura)
Quanto aos efeitos morais da usura, reside o seu principal problema, pois afeta diretamente a alma, que é o principal da pessoa humana. O empobrecimento material consequentemente leva ao empobrecimento de espírito, pois transforma a vida social em uma falsa moeda, inanimada e cruel. A imagem de Pound, em seus belos versos, oferece de modo lúdico como o peso da usura bancária afeta o homem: perde a capacidade de criar, de inovar e de produzir. A arte e o ofício tornam-se estéreis, incapazes de atingir seu objetivo natural e sobrenatural, que é dar glória a Deus. O fio de tear, o ouro, o carmesim — estes símbolos nobres e de riqueza são dilacerados pela usura, tornando-os estéreis. A juventude é impedida de construir famílias estruturadas, e a vida humana, no seu aspecto mais natural e sagrado, é paralisada. A disseminação aborto pela constante insegurança material onde muitas mulheres são empurradas ao desespero imaginando ser a única solução plausível. Mas essa tragédia não nasce apenas da falta de recursos: ela brota de algo mais fundo, de uma sociedade que perdeu o amor pela vida ao se curvar a Mamom e Baal. A miséria econômica é real e cruel, mas a maior pobreza é a espiritual, é ela que abre caminho para que a morte pareça aceitável.
Não é muito difícil ver o problema real da usura na sociedade, mas muitos não sabem como se expressar quanto a esse mal, ou nem sabem as suas reais implicações quanto à salvação de suas almas. Com a usura, há o desvirtuamento da verdadeira solidariedade humana, que é elevada à potência infinita pela graça santificante, impedindo o florescimento da justiça e da caridade ao próximo. Ela age contra a natureza, contra a ordem que Deus estabeleceu, e faz com que a sociedade se afaste do que é sagrado e da verdadeira finalidade do dinheiro: a circulação e o bem comum.